sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Lógicas bizarras de mercado: especulação

Podemos dizer, com certa segurança, que a economia é a ciência mais importante desse começo de século. O que mais ouvimos falar todo dia é de mercado. Mercado, com M maiúsculo, como Deus, porque é verdadeiramente o deus de nosso tempo. Tanto que nos relacionamos com ele assim como nos relacionávamos com nossos ídolos antigos: o Mercado está nervoso, está inseguro, o governo vai alterar a taxa de juros para acalmar o Mercado, e por aí vai. O Mercado é uma besta perigosa, a qual precisamos obedecer e tratar com carinho.

Ou nada disso. O que ninguém parece entender, é que por trás desse idioma alternativo de shareholding, business management, e o escambal que usam para falar de economia, por trás dessa religião que tornou o mercado essa coisa metafísica que governa o destino do mundo, se escondem algumas lógicas que, quando examinadas, são verdadeiramente bizarras.

O Mercado é constituído, à despeito de ativos, insumos, commodities, ou sei lá como mais se chamam, de “coisas” em geral a serem compradas e vendidas, e de “gente” (empresas, investidores isolados, grupos de investidores, etc.) em geral que compram e vendem essas “coisas”. Pois bem. Algumas coisas são óbvias: se muita “gente” quer comprar uma determinada “coisa”, seu preço aumenta, se pouca “gente” quer comprar, diminui. As bolsas de valores são lugares onde operamos uma globalização da economia, possibilitando que gente de muito longe possa comprar nossas “coisas” (as ações, por exemplo, que são “pedaços” de uma empresa). É um avanço enorme: se apenas gente de Belo Horizonte, para dar um exemplo, pudesse investir numa empresa minha, minhas chances de dar certo seriam bem menores.

Passando adiante, para um tema bem comum nesses dias. O que são os especuladores? Podemos defini-los pensando da seguinte forma: uma coisa é eu investir em determinada “coisa” por que tenho interesses nela, por que pretendo investir (no sentido subjetivo) nela, tal qual invisto num namoro. Por exemplo, torno-me sócio de uma empresa, e invisto nela. Estou tomando parte naquele negócio. Especulação é uma coisa diferente. Eu ponho dinheiro naquela “coisa” apenas esperando que ela se valorize, geralmente por que outros especuladores também põem dinheiro naquela “coisa”, e depois vendo quando ela está valorizada. Pouco importa o valor real da “coisa”, o nome, ou qualquer outra coisa. Importa que eu possa comprá-la barata e vendê-la cara.

Isso leva a algumas situações inusitadas, para quem está pensando de fora. O preço do petróleo, nos últimos tempos, é uma dessas situações. Com o prenúncio de crise econômica se anunciando, os investidores (leiam-se: especuladores em sua maioria) começaram a investir em outros tipos de “coisas”, e a escolhida foi o petróleo. Tem valorização estável, afinal, todo mundo precisa abastecer seus carros, além de usinas, e diversos outros setores que usam os derivados do petróleo. Assim, criou-se a chamada “bolha”. E o que é uma bolha? É justamente quando uma determinada “coisa” valoriza-se tanto com esse dinheiro de especulação que supera enormemente seu valor real. No caso do petróleo, estima-se que seu valor real (com base no preço antes da especulação desenfreada) era de 80, 90 dólares o barril. Em Julho desse ano, o preço do barril chegou a 147 dólares, recorde na história. Pagava-se entre 50 e 60 dólares por barril só por causa da especulação. Ou seja, como já dissemos, porque gente que nunca viu petróleo na vida e não quer ver comprou porque ele estava valorizando, para vender mais caro. Se um barril de petróleo equivale a 158,9873 litros, segundo o wikipédia, faça as contas para imaginar quanto uma empresa que consome enormes quantidades de petróleo (milhares ou milhões de barris) pagou aos especuladores.

É ou não é bizarro? E ainda sempre há uma ironia. Uma bolha também tem esse nome porque pode estourar a qualquer hora. O preço do barril, hoje 26 de Setembro, é de 101 dólares, com tendência a cair muito, segundo os “analistas”. E quem paga a conta do estouro? Será o assunto do qual trataremos no próximo post.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Uma nota sobre culpa e esmola

Eu acredito no homem. Acredito de verdade. Disse outras vezes aí que o homem não nasce pronto para ser moral e justo, e isso é verdade. No fundo, “no âmago de nosso ser”, somos mesquinhos, e não temos problema algum em fazer uso do sofrimento de outro homem apenas para um momento de satisfação nosso. O estado em que chegamos hoje prova muito bem esse ponto. Mas isso não significa que não possamos passar desse tal “destino” genético ou biológico e tornar-se algo muito superior. Da mesma forma que podemos ser mesquinhos, temos possibilidades (biológicas e psicológicas, inclusive) de superar esse estado. Essa é minha posição básica sobre as coisas, e será repetida várias vezes aqui.

No entanto, esse estado ainda nos é distante. Pego um exemplo simples, o qual vivenciei faz pouco. Todos nós lidamos cotidianamente com a pobreza. Vemos na televisão, nas ruas. Alguns de nós fecham os vidros dos carros, ou mudam de canal, com medo. Outros, abrem. E dão dinheiro, comida, agasalhos, enfim... “fazem a sua parte” como dizem. Passei por um momento desses. Parei num sinal e um menino, novo e magérrimo, veio até mim. Como ele fica num ponto em que passo quase diariamente, o drama fica ainda pior, pois o acompanho bem mais de perto. Então, não resisti, confesso. Como vários de nós, dei dinheiro para ele várias vezes.

O que fui pensar depois é no quanto isso não só não ajuda, como é extremamente prejudicial. Acredito que, quando vemos a pobreza diante de nós, além de pena, sentimos culpa. Culpa por achar que não podemos fazer nada frente à tamanha injustiça. Culpa por estarmos nós, do dentro de nossos carros, com o ar ligado (frio ou quente, dependendo da situação), enquanto um outro ali, tão perto, passa frio ou fome. Trata-se de um sentimento belíssimo. Sentimos uma dor pela humanidade como um todo. É um momento, para mim, extremamente humano. Um dilema moral, que passa despercebido todos os dias por nós.

A questão está, justamente, na maneira como reagimos a esse dilema. O que eu fiz, e que costumamos fazer, seja em ações “menores” (como dar uma esmola), ou em “maiores” (das dinheiro para uma instituição de caridade, ou até mesmo manter ou trabalhar em uma) é uma ação meramente paliativa, que consegue, se feita sozinha, no máximo mascarar o real problema. Quando agimos dessa maneira, estamos apenas expiando nossa culpa, em um mecanismo puramente psicológico. Sinto culpa, que me incomoda, e faço algo para que ela passe. Dar uma esmola é uma coisa rapidinha, que me permite pensar que eu sou um “cidadão de bem” e ir embora pra casa dormir tranqüilo, até amanhã, quando vou ver o pedinte de novo e sentir mais culpa, dar esmola, e o círculo continua.

Isso não está nem perto de “fazer nossa parte”. Afinal, o tal menino para o qual eu dei dinheiro não engordou nem um pouquinho até hoje. O pedinte que me disse que precisava só de um dinheiro para voltar pra casa, que era um trabalhador honesto com família, estava no mesmo lugar no dia seguinte, e sequer lembrou de mim. A demanda nas instituições em que trabalho não diminui, e sim aumenta. Agindo dessa maneira, atuamos apenas sobre o sintoma, sem atingir a causa e sem provocar nenhuma mudança efetiva.

Como estamos vendo, com o que já disse até agora, é preciso ir além do sintoma. E o que aparece por trás dessa pobreza? Ora, um mecanismo social que naturalmente promove a desigualdade (o tal do mercado, conhece?), junto com péssimas políticas sociais, voltadas muito mais para a caridade (portanto, apenas a expiar nossa culpa), que gera muito mais visibilidade (e votos) do que uma mudança social de fato. E essa mudança, insisto, passa pela política. Somos nós quem escolhemos as políticas que serão implantadas. Somos nós quem decidimos se vamos preferir continuar deixando o tal do mercado decidir nossas vidas (e ele é absolutamente “sem coração”, como podemos ver) ou investir em medidas que o regulem e promovam não desigualdade, e sim igualdade. Somos nós quem decidimos só tentar fazer a culpa passar ou ir até a raiz do problema.

E não para por aí. O mundo, infelizmente não oferece saída fácil. Podemos dizer, hoje, que é um absurdo: “vou tirar do meu dinheiro suado pra sustentar mendigo e vagabundo?” Até que esse vagabundo te assalta, mata, ou estupra. E aí, quem vai poder te defender? Te dou uma esmola, se quiser.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Sentimento não: sintoma

Estive, há pouco, conversando com um amigo meu, que terminou um namoro recentemente, e está, coitado, de coração partido já fazem quase seis meses. Ele reclamava que todo mundo dizia para ele que era "bola pra frente", que ele já estava muito tempo nessa, etc., e que queria mesmo era que o deixassem curtir a fossa dele em paz. Outro amigo (amigo ainda não, parceiro de discussão, mas amigo em breve) me perguntou se eu acreditava em alma separada de corpo, ou que o pensamento e a razão não têm bases biológicas. O que eles têm em comum? Nada, na verdade, mas o assunto é interligado, para mim, e vou tentar explicar o por quê.

A chamada ciência empírica obteve (e obtém) avanços vertiginosos no conhecimento do homem. Ressonâncias, tomografias, estudos metodicamente controlados, tudo isso tem nos fornecido um volume de informações sobre o corpo humano que jamais tivemos antes. Juntamente, novos medicamentos, cada vez mais com ação mais especializada, aparecem para agir contra toda sorte de sofrimentos. E, contra isso, não tenho absolutamente nada. Posso não ter a crença que Freud tinha na ciência, mas certamente não vou dizer que boa ela não é. O que considero ingênuo, no entanto, é achar que essa ciência é imparcial e idônea. E isso certamente não é. Essa evolução não veio sem preços. Voltando ao meu amigo de coração partido, disse-lhe que as pessoas não o deixavam em paz porque hoje não existem mais sentimentos, só sintomas. A existência humana hoje é tomada como coisa médica, a qual temos de medir e medicar o tempo todo. Não existe mais tristeza, só depressão; não alegria, e sim euforia ou mania; a angústia ou ansiedade virou síndrome do pânico. Nem mesmo as crianças estão à salvo: contra a inquietude natural da infância (que piora à medida que sua liberdade é cada vez mais cerceada), surgem os diagnósticos da já conhecida hiperatividade. Tudo isso, como todo sintoma, muito bem medicado, para a paz de espírito dos sofredores. Ou não? O otimismo proveniente desse avanço na ciência fez com que os cientistas pensem hoje que tudo pode ser resolvido nas neurologias ou nas genéticas. É essa ideologia que considero perigosíssima.

Respondendo ao meu outro amigo: não, não acho que a razão é separada do corpo. No entanto, acho que essa ligação física entre pensamento e corpo, embora exista, jamais será "encontrada": não acharemos o giro da razão, ou coisa do tipo. Tampouco acredito que o que "já achamos" é verdade de fato. Muita coisa já foi dita em nome da ciência empírica que simplesmente deixou de ser verdade depois. A provisoriedade da verdade empírica faz com que seja tão metafísica quanto qualquer outra: algum dia irão rir de nós por já ter achado que os elétrons, prótons e nêutrons eram as menores partículas do universo.

Acredito, sim, na neurologia, na genética e na medicina: mas trabalhando juntas com uma psicologia, com uma filosofia. A realidade é uma só, nós é que a categorizamos. O homem não poderá jamais ser tratado nem só por uma, nem por outra. Justamente por acreditar que corpo e mente são interligados, sou contra a ideologia de medicar o sentimento humano. Não contra o medicamento em si, mas como tratar do corpo sem tratar da mente, visto que são o mesmo? O medicamento é ótimo, já disseram, como "muleta química": serve para que o sujeito retome um certo controle e conforto para lidar com a questão. Pular essa parte significa não curar nada, e sua síndrome do pânico pode virar insônia, depois enxaqueca, depois alergia... a corrente não pára.

Não é o caso, obviamente, de todos nós irmos fazer terapia (não que muitos não precisem), e sim o de viver, simplesmente. Hoje estamos despreparados para lidar com as dores e dificuldades inerentes à própria vida: por isso jogamos os filhos pela janela, atiramos nas ex-namoradas, matamos os pais que não deixam ir ao show do Calypso, enfim... lidamos de forma extremada com experiências completamente normais, que vêm sendo privadas, contudo, desde cedo. Por isso falo de mente e de corpo, não por razões científicas, mas por razões políticas. Sou absolutamente contra essa ideologia medicamentalista que só faz crescer no mundo hoje.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Porque invertemos a importância das coisas nas eleições I (Sobre escolher emocionalmente)

Todo ano eleitoral é a mesma coisa. Somos obrigados, se não a ver, pelo menos a reconhecer a existência dos programas eleitorais. E aí é uma penúria. Primeiro por que todo político é corrupto, certo? Então não temos opção pra votar. Segundo que, nas eleições para o legislativo (vereadores, deputados estaduais e federais e senadores) a coisa fica mais difícil ainda. Em Belo Horizonte, no dia sete de julho, já haviam 967 candidatos registrados para concorrer às 41 vagas da câmara dos vereadores. É um festival de “Zés da Mercearia”, “Marias do Bairro Tal” e etc. Diante de uma situação como essa, o que fazer? Aparentemente, a opção preferencial das pessoas é escolher alguém que está mais perto. E aí entram os amigos, amigos dos amigos, parentes, gente que você simpatiza, e tudo mais. No meio dessa bagunça toda, um amigo é a melhor opção, não?

Psicologicamente, é bem simples entender a maneira como as pessoas escolhem seus candidatos. É bem mais fácil, primeiramente escolher em uma eleição do executivo (presidentes, governadores e prefeitos). No mínimo, temos que escolher entre 10 ou 15, ao invés de 1000. Tirando aqueles que não competem de fato, ficamos entre dois ou três, no máximo. Para o legislativo, no entanto, é outra história. A coisa fica bem mais complicada, e piora quanto mais local é o pleito. Para senador é simples: são pouquíssimas opções. Para deputados federais, geralmente existem alguns nomes mais conhecidos. Mas para deputados estaduais e vereadores, a coisa é uma selva. Não existem favoritos, nomes conhecidos, nada. E vendo os programas de propaganda política, a impressão é de que qualquer um pode se candidatar.

Em segundo lugar, temos o critério subjetivo de fato. Existem vários motivos pelos quais se escolhe um candidato, suas propostas e sua filiação partidária costumando ser os últimos deles. “Já estar aí”, ser bonito, falar bem, ser conhecido, aparecer muito nas mídias, tudo isso é mais importante. Esse critério atinge todas as eleições, do executivo ou legislativo. A diferença é que o critério mais usado, o do “já estar aí”, geralmente não se aplica ao legislativo. Entro nisso mais adiante.

Novamente, é fácil compreender. É bem mais plausível escolher um candidato pela sua “cara” (tanto a aparência física como o caráter dela veiculado nas propagandas) do que conhecer partidos, política e etc. Nossa psiquê é assim. Queremos uma pessoa que pareça com a gente, seja “um trabalhador como nós”, seja “um administrador eficiente”. Queremos alguém que vista-se bem, que tenha boa criação, boa família, não tenha cometido um crime (Não matar e roubar. Crimes “políticos” são outra história). A eleição do Collor, ou melhor, as eleições do Collor, mais Clodovil e Antônio Roberto são prova viva disso. Novamente, quanto mais local a eleição, mais complicado: quando chegamos aos vereadores, ainda incluímos o critério “QI” (amigo, indicado, etc.).

O problema é que esses não são critérios válidos de escolha, e a situação piora quando são usados nas eleições do legislativo, tão importantes ou até mais ainda do que as do executivo.

Comecemos pelo critério do “já estar aí”, comumente chamado de “história” ou “trajetória”. É um combinado de história política, desempenho do candidato, e o fato de ele ter sido eleito antes. A questão, que me impede de chamar isso de trajetória, é que não se trata da história e do desempenho de fato. São eles, da maneira que aparecem nos programas eleitorais, junto com opiniões, geralmente da imprensa corporativa (global?), que espalham-se e tornam-se uma espécie de opinião popular. É o que ocorre quando ouvimos uma frase do tipo: “é, vou votar no fulano mesmo. Ele já tá aí, fez um trabalho até bom, eu gosto dele, olha o tanto de obras que ele fez. Depois entra outro e vira uma confusão de novo. Melhor ele que já tá lá mesmo”.

E qual o problema com isso, qual o problema com escolher emocionalmente em quem votar? O problema, que as pessoas não sabem, ou esquecem, é que os milhares ou milhões de reais de financiamento de campanha não vão só para fazer santinhos. Vão também para pagar uma agência de publicidade, que vai pegar o fulano e dar um “trato” na pessoa e na história dele. Não vão mentir (ou não muito, pelo menos), mas vão dar uma acentuada nas coisas boas que ele fez (ou na participação nas coisas boas dos outros), dar uma escondidinha nas coisas ruins, fazer ele e a família aparecerem bastante, sorrindo, botar eles numa roupa adequada (um terno, se ele é mais rico, ou uma coisa mais simples, se a idéia é passar a imagem de trabalhador), acentuar um sotaque, para fazer ele parecer mais caseiro, etc. Tudo isso meticulosamente calculado para que ele apareça como uma pessoa boa, justa, trabalhadora, eficiente, e tudo o mais. Não importa a pessoa que ele seja realmente: importa a pessoa que ele pode parecer enquanto dure sua campanha.

E isso não tem nada a ver com os critérios que orientam o trabalho de um político realmente: sua história política real e principalmente sua afiliação partidária. O Tribunal Superior Eleitoral decidiu, ano passado, que o mandato de um político pertence ao partido e não à pessoa. Isso significa que quem manda na “orientação geral” do candidato é o partido ou coligação à qual ele pertence. A sua história política real dirá qual sua orientação pessoal dentro daquela geral pertencente ao partido.

Nada disso, porém, pode ser conhecido apenas vendo os programas eleitorais, a mídia corporativa, e repetindo pelas ruas os mesmos argumentos. É preciso se informar, saber qual o projeto geral do partido, à que tipo de ideologias ele responde, quais foram os projetos de lei que seu candidato já redigiu, qual o seu voto nas propostas de outros, etc. E isso tudo está aí para ser consultado, ainda mais em tempos de internet. Como já disse antes, a política não é uma opção. Se queremos de fato tomar o controle daquilo que já controlamos, sem saber, e mudar alguma coisa, é preciso por mãos à obra.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Política - Eleições 2008

As eleições de Belo Horizonte são marcadas por uma aliança, que, em conjunto com a cisão PSDB/DEM em São Paulo, marcam o início de uma nova era na política Brasileira. Não podemos nos precipitar em firmar que a aliança apelidada de Pimentécio, será reproduzida no restante do país, e PT e PSDB venham a se unir, mas a aliança anterior, muito prejudicial para o PSDB, tanto em termos ideológicos quanto em capital político, entre PSDB e PFL, parece não ter mais conserto.
Começo, no entanto, alertando para o fato de que, ao contrário do que pensa a blogosfera (notadamente o Na prática a teoria é outra), a aliança não tem um início auspicioso em Belo Horizonte. O altíssimo índice de aprovação com que contam Pimentel e Aécio derivam muito mais de um conchavo de interesses envolvendo quase todos os agentes políticos relevantes do Estado, e também a imprensa mineira, do que da competência de um e de outro. (Não me lembro de ter lido nada de ruim sobre o governo desde que o Aécio chegou ao Palácio da Liberdade)
Bem, eu sou realmente tendencioso para falar do PSDB mineiro, não gosto do governo Aécio, e acho que liberdade de espressão, é mais importante que gerência profissional. Mas não pretendo me deter nos defeitos do governador, nem mencionar que Marcio Lacerda é figurinha carimbada no processo do mensalão. Prefiro discutir os rumos da nova esquerda e da nova direita no Brasil. Pois bem, a primeira constatação é o fim da direita coronelista e com ela do PFL, é claro que não vai ser de uma vez, mas a tendência é para que ambos minguem até a quase extinção. Melhor para as pessoas inteligentes que defendem as propostas mais concervadoras. Depois, precisamos notar que os outros partidos importantes, o PT e o PSDB, deram um passo a direita, o que de certa forma é bom, sinal de amadurecimento da nossa democracia, tando a Direita radical quanto a Esquerda radical estão morrendo, e o enfraquecimento dos radicalismos é sinal de sucesso da democracia. Voltando a Belo Horizonte, é sintomático que os dois melhores candidatos, Sérgio Miranda e Jô Moraes, não tenham nem a chance do segundo turno contra a Aliança e o Pimentécio. Sintomático de uma doença que tem corroido mesmo as democracias mais antigas, como os EUA, o excesso de propaganda nas campanhas. O excesso de propaganda mitiga a qualidade do debate, provavelmente, nem 5 % das pessoas que votarão no Marcio sabem suas propostas, muito menos as propostas dos demais candidatos. Basta aparecerem Aécio e Pimentel e dizerem para votar nele. Os muitos minutos a mais que ele tem de horário político, e mais a verba de campanha, significativamente maior, e temos uma eleição fácil, para um candidato desconhecido, mesmo contra dois (pelo menos) candidatos experientes e de boa reputação. A questão é que a eleição de Belo Horizonte não é exceção nesse aspecto, e nós precisamos encotrar uma solução, para que o debate seja ampliado em detrimento da propaganda. Afinal de contas, o cerne da democracia não é o voto, mas o debate. Apenas menciono algumas propostas que considero interessantes, e que pretendo discutir melhor no futuro. Financiamento exclusivamente público de campanha, ou limite máximo com os gastos por candidato. Horário eleitoral gratuito equivalente para os candidatos a cargos majoritários e partidos com candidatos em eleições proporcionais. Fim do voto nominal para votações representativas. Essas são algumas das propostas, juntamente com uma proposta de educação cívica nas escolas, que me parecem interessantes para o futuro da democracia. Como bônus ao texto, deixo os links da Folha, com a análise dos candidatos em Belo Horizonte, especificamente dos 4 com maior intenção de voto, de acordo com as pesquisas, e também o link geral sobre as eleições de 2008 da Folha. Como quem vê de longe analisa melhor, acho que é mesmo aconselhavel ler sobre os candidatos do Brasil na Folha, menos os de São Paulo, por óbvio. Links:

terça-feira, 9 de setembro de 2008

DIREITO - Aborto de anencéfalos

Assunto fundamental para a ordem constitucional, a ADPF 54, em pauta no STF, irá decidir, se o aborto de anencéfalos pode ou não ser considerado crime.
Para iniciar a discussão sobre esse tema, é importante ressaltar que a Constituição da República dispõem no caput de seu artigo 5º, que é, provavelmente o artigo mais importante de todo o texto, que é garantido à todos os brasileiros a inviolabilidade do direito à vida.
Nossa análise pretende levar em conta apenas elementos de interpretação e responder a questão no plano do Direito, não da política, nem da Ética. Nesse sentido, devemos considerar, da Constituição os seguintes elementos: o que significa a expressão "brasileiros", como se começa e quando se deixa de ser um? E, o que significa a expressão "direito à vida"? Será que as pessoas que ainda não nasceram têm o direito constitucional de nascer?
A resposta à primeira pergunta, visa determinar, quem são os sujeitos de direitos, considerados pela Constituição. Nesse caso, fazemos recurso ao Código Civil, que estabelece que a personalidade começa com o nascimento com vida, e ao Código Penal, que determina uma pena diferente para o homicídio e outra para o aborto. Entramos agora no terreno das hipóteses:
Se, considerarmos que a prática jurisprudencial quanto a esses dois dispositivos é constitucionalmente adequada, temos que reconhecer que os nascituros, não são sujeitos de direitos, isso porque a própria Constituição proibe a discriminação entre os cidadãos. Nesse sentido, a herança, por exemplo, não é do feto, e posteriormente de seus herdeiros legais, mas dos herdeiros legais desconsiderado o feto. Assim, se o feto nascer com vida, ele terá herdado, mas caso não venha a nascer com vida, seus supostos herdeiros não receberam, por esse motivo, herança alguma.
Por outro lado, podemos considerar, como um dado aprioristico, que a Constituição considera os nascituros são sujeitos de direitos, seriamos forçados à considerar toda a prática constitucional já exercida sobre o assunto inconstitucional, o artigo 2º do Código Civil, que dispõe que nascituro não tem personalidade, e o artigo do Código Penal, que dispõe uma pena inferior ao homicídio para o aborto, inconsitucionais.
Precisamos fazer uma escolha para continuar, e eu não tenho dúvidas de que a minha opção é a primeira das opções, nascituro não tem direitos, não tem personalidade, não é pessoa.
Agora, por ter considerado a prática constitucional até agora adequada, tenho que fazer um exercício para justificar a existência da proibição ao aborto, e o farei baseado no valor da vida humana (Para uma análise mais completa desse conceito, ver Ronald Dworkin - Domínio da vida). Embora não exista direito do feto à ser contraposto ao direito da mãe de dispor do próprio corpo como bem entender, não podemos deixar de levar em conta que a idéia de uma sociedade que pratica abortos de forma desenfreda nos causa repulsa.
Isso se da, por que consideramos o aborto fútil, um desrespeito ao valor que vida humana tem por si só, isto é, o valor intrínseco da vida humana. Acreditamos que quando ocorre um aborto por mero capricho, alguma norma moral foi violada. Acreditamos que, embora a mãe possa dispor de seu corpo de forma livre, ela assume uma responsabilidade para com toda a humanidade ao engravidar. É claro que não podemos responsabilizá-la por engravidar involuntariamente, daí a exceção ao crime quando a gravidez resultar de estupro.
Dessa forma, nenhuma sociedade humana, será justa ao permitir o aborto fútil e desmotivado, e a qualquer momento durante a gravidez, essa sociedade estará desrespeitando o valor da vida humana. E portanto, o aborto deve sim, ser limitado de alguma forma.
No entanto, qual é o conceito legal de vida humana? Por acaso não se decreta a morte cerebral de um indivíduo cujo cérebro para de funcionar? Seria então o anencéfalo (que sequer possui um cérebro) um ser vivo? Ou apenas um amontoado orgânico de material genético humano?
Ambas as respostas são simplórias demais, na verade, o valor que possui o anencéfalo não diz mais respeito à sociedade, ou à humanidade, mas apenas aos pais, que podem, ou não, ter algum apego sentimental ao filho que não puderam ter dessa vez. Em outras palavras, as mães devem ter o direito de escolher se sofrerão mais com o anencéfalo em seu ventre por nove meses, vivendo à espectativa de um desastre, ou de um milagres (devemos sempre respeitar aqueles que acreditam), ou se ela sofreria mais com a interrupção provocada da gravidez em uma clínica médica.
A conclusão que temos de chegar então, é a de que a criminalização do aborto de anencéfalos é inconstitucional, e que, a mãe, nesse caso, mais do que em qualquer outro, tem o direito de escolher se quer, ou não levar a gravidez adiante.
Ainda restam questões polêmicas deixadas em aberto no presente texto, como a possibilidade de considerarmos todo o tipo penal que criminaliza o aborto inconstitucional, ou a possibilidade de sermos a primeira democracia que considera os nascituros pessoas. E ainda a discussão (im)plausível sobre a existência ou não do direito à vida.